Iniciaremos agora o estudo específico de movimentos de rotação, em particular dos chamados corpos rígidos, que além de sua grande importância prática, estão entre os sistemas de partículas de tipo mais simples tratados na mecânica. Introduziremos o novo conceito de momento angular que, assim como os de energia e momento, é um dos mais importantes conceitos físicos.



1.Cinemática do corpo rígido

Um corpo rígido corresponde a um conceito limite ideal, de um corpo indeformável quaisquer que sejam as forças a ele aplicadas: um corpo é rígido quando a distância: entre duas partículas quaisquer do corpo é invariável. Nenhum corpo real é perfeitamente rígido: uma barra de ação se deforma sob a ação de forças suficientemente intensas e duas bolas de bilhar que colidem deformam-se ao entrar em contato. Entretando, as deformações são em geral suficientemente pequenas para que possam ser desprezadas em primeira aproximação.

1.1.1. Translação

Diz-se que um corpo rígido tem um movimento de translação quando a direção de qualquer segmento que une dois de seus pontos não se altera durante o movimento. Isto implica que todos os pontos do corpo descrevem curvas paralelas, ou seja, superponíveis umas às outras por translação. Todos os pontos sofrem o mesmo deslocamento durante o mesmo intervalo de tempo, de modo que todos têm, em qualquer instante, a mesma velocidade e aceleração, que se chamam respectivamente, velocidade e aceleração de translação do corpo rígido. Para estudar o movimento de translação de um corpo rígido, basta estudá-lo para qualquer um de seus pontos (por exemplo, o centro de massa). Este tipo de movimento reduz-se então ao de um único ponto material.

1.1.2.Rotação

Se fixarmos dois pontos A e B de um corpo rígido, isto equivale a fixar todos os pontos da reta definida por AB, pois todos eles têm de manter inalteradas suas distâncias de A e de B. Qualquer partícula do corpo situada fora desta reta tem de manter invariável sua distância de A e de B. Qualquer partícula do corpo situada fora desta reta tem de manter invariável sua distância ao eixo AB, de modo que só pode descrever um círculo com centro nesse eixo. Logo, AB é um eixo de rotação: todas as partículas descrevem círculos com centro no eixo, e giram de um mesmo ângulo no mesmo intervalo de tempo. O estudo do movimento reduz-se neste caso ao estudo do movimento circular de qualquer partícula situada fora do eixo: temos uma rotação em torno de um eixo fixo, que pode ser descrita em termos de uma única coordenada, o ângulo de rotação.

Veja mais sobre a origem das rotações

1.2.Representação vetorial das rotações

O movimento mais simples de rotação de um corpo rígido é a rotação em torno de um eixo fixo. O estudo desse movimento reduz-se ao do movimento circular de um ponto P qualquer numa secção transversal ao eixo. Se o eixo de rotação permanece fixo, a rotação pode ser descrita por uma grandeza escalar, que é o ângulo de rotação .

Imaginemos um disco que gira em torno do eixo fixo, perpendicular ao seu plano e que passa pelo seu centro. Os pontos próximos à periferia do disco giram com velocidade maior do que os pontos próximos ao centro. Porém, quando o disco gira varrendoum certo ângulo, todos os pontos giram cobrindo o mesmo ângulo. O ângulo de rotação é característica do disco como um todo, como a velocidade de alteração do ângulo.
Imagine uma partícula tipica do disco. Seja ri a distância entre o centro do disco e a i-ésima partícula, porém o ângulo d, o deslocamento angular, é o mesmo para todas as partículas do disco. Quando houver uma revolução completa, o comprimento , do arco será e o deslocamento angular é .

A taxa temporal de variação do ângulo, é a mesma para todas as partículas do disco e é a velocidade angular de rotação:


Na rotação no sentido anti-horário, aumenta e é positiva. Na rotação no sentido horário, é negativa. As unidades de são radianos por segundo. Uma vez que os radianos são adimensionais, estas dimensões coincidem com as de inversa do tempo (T-1). É comum que seja expresso em revoluções por minuto (rev/min ou rpm). Para converter revoluções (voltas) em radianos ou em graus, temos

A taxa temporal da variação da velocidade angular é a aceleração angular :


As unidades de são radianos por segundo por segundo (rad/s2). Se aumenta com o tempo, é positiva; se diminui, é negativa.

A velocidade linear de uma partícula do disco é tangente à respectiva trajetória circular e tem o valor
Analogamente, a aceleração tangencial de uma partícula do disco é

Cada partícula do disco tem uma aceleração radial, a aceleração centrípeta, sempre dirigida para o centro com o módulo


2.Dinâmica dos corpos rígidos - Torque

Para passarmos à dinâmica das rotações, vamos utilizar essa analogia a fim de procurar uma grandeza que desempenhe um papel análogo ao da força. Um forma de definir uma força F no movimento linear seria através do trabalho por ela realizado num deslocamento infinitesimal de seu ponto de aplicação

O análogo de f para rotações seria então uma grandeza tal que corresponda ao trabalho realizado numa rotação infinitesimal .

Para fixar as idéias, consideremos uma haste rígida girando em torno de uma extremidade fixa O sob a ação de uma força aplicada no ponto P, à distância r do ponto O.
Numa rotação infinitesimal
, o ponto P sofre um deslocamento PP' que se confunde com a tangente ao círculo de centro O e raio r no ponto P, sendo portanto perpendicular à direção de . A projeção de na direção do deslocamento é então e o módulo do deslocamento do ponto de aplicação é
, de modo que o trabalho é . Concluimos que
Podemos ainda reescrever o resultado como onde . Esta distância b é chamada de braço de alavanca da força. É intuitivo que a força é tanto mais eficaz na produção de rotação quanto maior o braço de alavanca. Assim, quando empurramos uma porta, poupamos tanto mais esforço quanto mais longe do eixo de rotação o fizermos; pela mesma razão, a maçaneta da porta deve ser colocada a mais distante possível do eixo.

Vamos demonstrar agora que a aceleração angular de um corpo rígido é proporcional à resultante dos torques que atuam sobre o corpo. Seja a resultante das forças externas que atuam sobre a i-ésima partícula. A aceleração desta partícula, pela Segunda Lei de Newton, é dada por:
em que fizemos . Se multiplicarmos os dois membros por ri, vem:
.
No primeiro termo, o torque exercido pela força
em torno do centro de rotação O. Então:


Somando para todas as partículas do corpo, vem .
O somatório do primeiro membro é a resultante dos torques que atuam sobre o corpo. No caso de um corpo rígido, a aceleração angular que figura no segundo membro é a mesma para todas as partículas do corpo e pode ser evidenciada no somatório. A grandeza é o momento de inércia I do corpo. Se o corpo for contínuo, o somatório é substituído por uma integral correspondente.



A resultante das forças que atuam sobre um sistema é igual á resultante das forças externas que atuam sobre o sistema, pois as forças internas, cancelam-se aos pares. A resultante dos torques internos de um sistema também é nula, por um raciocínio semelhante, e então o torque resultante é o torque resultante das forças externas que agem sobre o sistema. Podemos escrever então:

Podemos aplicar a regra da mão direita para acharmos a direção e o sentido do torque, ou seja, o produto vetorial de . Colocamos a mão em direção ao vetor r e dobramos os dedos no sentido da força F, o dedo polegar indica o vetor torque.



Applet de torque

Quer saber mais sobre torque?


3. Momento de Inércia

O momento de inércia é medida da resistência que um corpo oferece às modificações do seu movimento de rotação. É o análogo rotacional da massa. O momentio de inércia depende da distribuição da massa no interior do corpo em relação ao eixo de rotação. Quanto mais distante do eixo estiver uma certa massa, maior o momento de inércia correspondente. Assim, o momento de inércia, diferentemente da massa, depende do corpo e da localização do eixo de rotação.

Applet de cálculo de momento de inércia

A inércia da rotação

3.1.Momento de inércia de um sistema de partículas

Nos sistemas constituídos por partículas discretas, podemos calcular, diretamente pela equação , o momento de inércia em torno de um certo eixo.

Exemplo 1.1.: Quatro partículas, cada qual com a massa m, estão ligadas por hastes de massa desprezível formando um retângulo de lados 2a e 2b. o sistema gira em torno de um eixo plano da figura e que passa pelo respectivo centro. Calcular o momento de inércia em torno do eixo.

Raciocínio da Resolução: Como os corpos são partículas discretas, podemos aproveitar a equação . Nesta equação, ri é a distância perpendicular entre as partículas de massa mi e o eixo de rotação.

1.Com a definição do momento de inércia I de um sistema de partículas discretas, vem:
2.As massas mi e as distâncias ri são dadas:
3. Entrando na expressão do momento de inércia temos:

Observação: Veja que I não depende da dimensão b, que não influencia o afastamento entre as massas e o eixo de rotação. O momento de inércia depende da posição do eixo de rotação.

3.2.Momento de inércia de um corpo contínuo

Vamos ver como se calcula o momento de inércia em alguns casos importantes, correspondentes a corpos homogêneos de dformas geométricas simples. Dizer que um corpo é homogêneo significa que sua densidade de massa é constante, ou seja, que a massa . Lembrando que onde ri é a distância do elemento de massa dm do eixo de rotação.

3.2.1. Barra delgada, em torno do centro

A massa dm de uma porção de comprimento dx da barra é onde (densidade linear).

O momento de inércia é dado pela integral: .
Para este caso, então onde L é o comprimento total da barra e M a massa da barra.

Logo,


3.2.2.Anel circular delgado em torno do centro

Supondo o eixo de rotação perpendicular ao plano do anel e passando pelo centro. Para um anel suficientemente delgado, podemos tomar

dI= dm R2




3.2.3.Disco circular , em torno do centro

Podemos imaginar o disco decomposto em anéis circulares concêntricos delgados de raio r e largura infinitésima dr, onde r varia de O a R.
A massa dm de um desses anéis está para a massa M do disco assim como o volume do anel está para o disco.

 














3.2.4.Esfera, em torno de um diâmetro

Podemos considerar a esfera como uma pilha de discos circulares perpendiculares ao diâmetro considerado. A figura mostra um desses discos, de espessura dz e raio r, situado à altura z do plano equatorial. A massa dm do disco está para a massa M da esfera na mesma proporção dos volumes respectivos, ou seja,

 

 

 










 

 

3.3. Teorema dos eixos paralelos

Muitas vezes é possível simplificar o cálculo dos momentos de inércia pelo teorema dos eixos paralelos, que realciona o momento de inércia em torno de um eixo que passa pelo centro de massa do corpo ao momento de inércia em relação a um segundo eixo, paralelo ao primeiro. Seja Icm o momento de inércia em relação a um eixo que passa pelo centro de massa de um corpo de massa M. Seja I o momento de inércia em relação a um outro eixo, paralelo ao primeiro, à distância h. O teorema dos eixos paralelos afirma que:

Exemplo : Calcular o momento de inércia de uma vareta homogênea em relação ao eixo y' que passa pela sua extremidade.

Figura da barra com momento de inércia no centro de massa

Resolução: Sabemos que um momento de inércia em relação a um eixo que passa pelo centro da vareta é Icm = ML2/12 e queremos calcular I. Pode-se aproveitar o teorema dos eixos paralelos com h=L/2


Figura da barra com momento de inércia na extremidade


I = 1/12M L2 + M ( L/2 )2

Tabela de alguns Momentos de Inércia mais utilizados

Applet de rotação em torno do centro de massa



4.Momento angular

Além da força , o outro conceito fundamental na dinâmica de uma partícula é o do momento (linear) , relacionado com pela 2a Lei de Newton


Na dinâmica de rotação de uma partícula P em torno de um ponto O, vimos que o análogo de deve ser o torque. Como o momento da partícula estará relacionado com conforme a equação acima. Multiplicando os termos por


Temos, então pois . Logo, a equação fica


onde

é o que se chama de momento angular da partícula em relação ao ponto O.


Applet de Momento angular

Mais sobre movimento angular?

4.1.Conservação do momento angular

Vemos que o momento angular está para o momento (linear) assim como o torque está para a força. A desempenha na dinâmica de rotações um papel análogo ao da 2a Lei de Newton, ou seja, pode ser considerada como a lei fundamental da dinâmica das rotações: a taxa de variação com o tempo do momento angular de uma partícula em relação a um ponto O que atua sobre essa partícula.
Uma consequência imediata é a lei de conservação do momento angular de uma partícula.

, ou seja, se a resultante do torque externo sobre uma partícula em relação a um ponto se anula, o momento angular da partícula em relação a esse ponto se conserva. Como o momento angular é um vetor não só o seu módulo que se conserva, mas também direção e sentido.

Em particular, isto vale sempre na ausência de forças externas, ou seja, para um sistema isolado; neste caso, como o torque é nulo em relação a qualquer ponto do espaço, o momento angular em relação a qualquer ponto se conserva. No caso de uma partícula sujeita a forças centrais, o momento angular se conserva, como vimos, em relação ao centro de forças.
Uma ilustração vívida deste resultado se obtém através de uma clássica experiência de demosnstração. Uma pessoa está sobre um banquinho segurando uma haste horizontal que serve de eixoo para rotação rápida de uma roda nela colocada (roda de bicicleta, por exemplo). O banquinho tem um suporte que lhe permite girar praticamente sem atrito em torno da vertical, de modo que não há torques externos verticais atuando. Logo, a componente vertical do momento angular total do sistema se conserva. Quando a pessoa levanta a haste, colocando-a em posição vertical. O momento angular da roda é transferido para a vertical. O banquinho começa a girar em sentido oposto, gerando um momento angular que, somado ao da roda, conserva = 0 o momento angular total na direção vertical.

Veja mais sobre o equilíbrio rotacional


5. Aplicações da Segunda Lei de Newton


As leis do movimento de rotação

Exemplo : Dois corpos estão presos a um cordel que passa por uma polia de raio R e momento de inércia I. O corpo de massa m1 desliza sobre uma superfície horizontal sem atrito. O corpo de massa m2 está pendurado no cordel. Calcular a aceleração a dos dois corpos e as tensões T1 e T2 admitindo que não haja escorregamento do cordel na polia.

Resolução: Neste problema, as tensões T1 e T2 não são iguais, pois não há atrito entre o cordel e a polia. (Se não houvesse atrito, a polia não rodaria em torno do seu eixo). Veja que T2 provoca um torque no sentido horário e T1 um torque no sentido anti-horário na polia. Com a 2a Lei de Newton aplicada a cada corpo e à polia , e com a condição da ausência de escorregamento, , se têm as equações necessárias.

1. Diagrama de forças de cada corpo e da polia. A polia não é acelerada e o seu eixo deve ser exercer uma força F, que equilibra as forças exercidas pelo cordel.

 

2. Aplicando a segunda Lei de Newton a cada corpo, vem:

3. Somando as duas equações anteriores e reordenando tem-se a equação T2 - T1


4. Com a Lei de Newton aplicada ao movimento de rotação, . Elimina-se pela condição de ausência de escorregamento.


5. Assim, encontra-se a, T1 e T2



Applet de rolamento sem escorregar


6.Energia cinética de Rotação

A energia cinética de um corpo que gira é a soma das energias cinéticas das suas partículas. A energia cinética de um elemento de massa mi é

O somatório entre parênteses é o momento de inércia I em relação ao eixo de rotação. A energia cinética é então

Applet de rolamento - em que direção irá rolar?

Exemplo: Uma bola maciça homogênea, de massa m e raio R, rola sem escorregar por um plano inclinado com o ângulo . Determinar a aceleração do centro de massa.

Resolução: Pela segunda lei de Newton, a aceleração do centro de massa é igual à resultante das forças dividida pela massa. As forças que atuam sobre a bola são o peso m . , para baixo, a força normal , que equilibra a componente normal do peso, e a força de atrito , que atua na direção ascendente do plano inclinado. À medida que a bola é acelerada ao rolar pelo plano abaixo, a velocidade angular de rotação deve aumentar, a fim de não haver escorregamento. Vamos aplicar a segunda lei de Newton à rotação em torno de um eixo horizontal que passa pelo centro de massa a fim de ter , que se relaciona com a aceleração pela condição de ausência de escorregamento. O único torque em relação ao centro de massa é o de .

1. Aplicando a segunda lei de Newton
2. Aplicando
3. Com a condição de ausência de escorregamento

4. Com este resultado para calcula-se acm

5. No caso da esfera, Icm = 2mR2/5

Como a bola rola sem escorregar, o atrito é estático. Veja que o resultado não depende do coeficiente de atrito desde que seja suficiente para garantir que a bola não escorregue.



8. Bibliografia

1.Física - volume 1
Paul A.Tipler
Editora Guanabara Dois

2.Fundamentos de Física - volume 1
David Halliday & Robert Resnick
Editora JC Livros técnicos e científicos
3a edição

3.Física - volume 1
David Halliday ,Robert Resnick

4.Física - Mecânica, Oscilações e Ondas, Termodinâmica
volume 1
Paul Tipler
JC Editora
4a edição

5.Curso de Física Básica -volume1
Moyses Nussenbeirg